VI
OLHANDO PARA O FUTURO
Coisas a serem realizadas
I. A summa vitae1
1) Hoje há uma desorientação cada vez maior: é a doença do cientismo e do tecnicismo. Cada uma e todas as ciências, invenções e descobertas são os capítulos do grande livro da criação; cada uma é o conhecimento da obra criadora de Deus, cada uma deve servir ao Homem como meio para chegar a Deus, como o olho, a língua, a vontade servem para o homem. E como acontece muitas vezes com alguns homens que não se perguntam: De onde vim? para onde vou? por que vivo? assim também ocorre com os acontecimentos, invenções, descobertas, que os homens, comprazendo-se apenas em possuí-las, não se perguntam: Quem as fez? Por que mas deu, para que servem?
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Tudo deve servir ao homem em relação a Jesus Cristo, a Deus, segundo são Paulo: Omnia vestra sunt, vos autem Christi, Christus autem Dei.2
As ciências quando aprofundadas levam a Jesus Cristo, que é o caminho para Deus. Preparam, pois, à recepção da revelação de Jesus Cristo; o qual, como Deus, ao criar as coisas, iluminou o homem para conhecê-las, e para elevar e enobrecer o homem quis acrescentar outras verdades não manifestadas na natureza para prepará-lo à visão de Deus, se o homem tiver usado bem da razão, acolhido e acreditado na revelação.
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Como o pecado produziu entre os povos desorientação e divisões nos costumes e no culto, produziu igualmente desorientação na filosofia e nas ciências. Por orgulho humano: eritis sicut Dei,3 freqüentemente elas não aportam à teologia, à fé, não servem ao homem, antes o tornam escravo, a ponto de impedir a consecução da finalidade da própria ciência.
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A ciência humana é arma nobre, porém, muitas vezes, é usada contra o homem. Mas nós, sacerdotes, continuadores da obra de Jesus Cristo, cumprimos o nosso ministério de dominar a ciência e iluminar e guiar os intelectuais a fim de que aprofundem seu saber e nele encontrem Jesus Cristo e Deus? Para agir nesta direção e elevar os intelectuais da razão à revelação, da ciência humana à divina, o sacerdote deve procurá-los onde se encontram; como o Filho de Deus se fez homem para encontrar o homem, ovelha desgarrada, e reconduzi-la a Deus Pai. Por isso hoje os programas pontifícios exigem que o clérigo aprenda a ciência humana muito mais do que antes de Pio X.
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É preciso: 1) estudar, pelo menos suficientemente, as ciências humanas; 2) unificar as ciências na filosofia das ciências; 3) apresentar a filosofia como o instrumento imediato que leva à revelação.
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Na Oração4 da festa de santo Alberto Magno5 se diz: Ó Deus, que engrandecestes o bispo e doutor santo Alberto por submeter a sabedoria humana à fé, dai-nos seguir de perto o seu magistério para que gozemos da luz plena do céu.
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Atualmente falta a unificação das ciências numa filosofia que introduza os intelectuais no limiar da teologia e desperte neles o desejo de outra luz, a de Cristo, pela qual chegará à luz plena, no céu.
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Durante os cursos teológicos, estudando, além dos tratados do currículo escolar, a Suma (filosófica e teológica) de santo Tomás e falando muitas vezes com o côn. Chiesa sobre o empreendimento do Santo em reunir e unificar as ciências antigas (especialmente a filosofia de Aristóteles), concluía-se sempre: Unamo-nos em oração para que a divina Providência suscite um novo Aquinense que recolha os membros dispersos, isto é, as ciências, numa síntese nova, metódica e clara, ainda que breve, e delas forme um corpo único.
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Os intelectuais, além da ajuda divina da graça, terão também a ajuda humana do seu saber: cada ciência, através da filosofia, enviará seu feixe de luz à teologia, e as múltiplas ciências teológicas encontrarão, por sua vez, a unidade na multiplicidade, e pela humildade da fé dar-se-á a terceira revelação: lumen gloriae.6
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Tudo isso encontra-se no divino Mestre: ciências naturais que se conhecem pela luz natural da razão; ciências teológicas reveladas por Jesus Cristo, que se aceitam pela luz da fé; visão de tudo em Deus, na vida eterna pela luz da glória.
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Depois de rezar muito, decidiu-se fazer uma experiência, ou como que uma tentativa, num Curso de teologia.7 O côn. Chiesa, conhecedor do povo alemão, inglês, francês, formado em teologia, em filosofia e nos dois ramos do direito, grande conhecedor das ciências humanas (não em todos os seus pormenores, mas nos seus princípios, uso, aplicação, finalidade etc.).
Foram consultados muitíssimos tratados, tendo por guia o Divino exemplarismo.8 Mas a tentativa sequer foi examinada por muitos, ou foi considerada como uma ilusão infantil…
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Contudo, as adorações ao divino Mestre que ele,9 sem dúvida, faz no céu, onde esperava acompanhar são Paulo apóstolo, o santo da universalidade, no canto eterno ao Cristo, Verdade Eterna; e as adorações que se fazem na terra, pela Família Paulina, incluídas as Pias Discípulas (que têm esta missão a cumprir), obterão do divino Mestre eucarístico esta graça. Se é verdade que tudo o que pedimos em nome de Jesus Cristo nos é concedido…10 creiamos, esperemos, trabalhemos humildemente com fé.
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A Pia Sociedade de São Paulo refletirá freqüentemente: Para que vieste?11 Tenha ela sempre no coração os intelectuais; o Evangelho é coisa divina; fundamentalmente se ajusta a todas as inteligências; é capaz de satisfazer a todas as perguntas, aos homens de todos os tempos. Ao conquistar os intelectuais pesca-se com a rede e não apenas com o anzol.
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Então [se realizará] o abraço completo das duas irmãs em Cristo-Deus: razão e fé.
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II. Estudos acadêmicos
É preciso chegar à complementação dos estudos até os graus acadêmicos de filosofia, sociologia, teologia, direito. O Seminário de Gênova era faculdade pontifícia que conferia os graus.12 O côn. Chiesa lhe dissera: Não é pelo doutoramento que tu adquires a ciência; mas um doutoramento é declaração mais solene e uma aprovação de que tu poderás exercer os ministérios sagrados. Poderás iniciar as tarefas sacerdotais com maior confiança, pensando: 'Empenhei-me para tornar-me apto, quanto à ciência, ao ensino da doutrina cristã; agora, pelo que ainda me falta, e é o mais, espero contar com a promessa divina: dabit verbum evangelizantibus'.13
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Uma iluminação especial adveio a 30 de julho de 1906.14
Esta riqueza será concedida por Deus à Família Paulina à medida da correspondência à sua missão.
Pode-se trabalhar neste sentido.
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III. Obséquio a Maria, Mediadora de Graça
Num dos sonhos perguntou a Maria o que a Família Paulina poderia fazer, agora, para honrá-la e que homenagem esperava da cristandade, neste momento histórico. Maria apresentava-se envolta em luz branco-dourada como a cheia de graça. Ouviu: Sou a Mater diviniae gratiae'.15
Isso corresponde à necessidade atual da pobre humanidade e ajuda a tornar mais conhecida a missão que Maria desempenha no céu: Medianeira universal da graça.16
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Eis um semi-cego que é guiado; e ao avançar, de quando em quando é iluminado para que possa sempre prosseguir: Deus é a luz.17
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Algumas outras coisas poderão ser vistas mais adiante.
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Agradeço a Deus estes dons:
1) Durante o curso filosófico recebi o cíngulo de santo Tomás para a pureza.
2) No curso teológico fui inscrito no Círculo da Imaculada entre os clérigos.
3) No curso teológico tomei parte no Círculo Adolescente Jesus.
4) Recebi sucessivamente o escapulário da Imaculada, do Carmo e de N. Sra. das Dores.
5) No primeiro ano de ordenação fui inscrito entre os sacerdotes adoradores.
6) Grande proveito me adveio por pertencer à Ordem Terceira dominicana e ser diretor dela, na cidade de Alba.
7) Sobretudo o apostolado da oração, desde 1902.
8) Ao Passamento de são José e Nossa Senhora da Boa Morte.18
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1 Sobre todo este tema: cf. San Paolo, fevereiro de 1955-setembro de 1959 (CISP, pp. 1195-1254) e UPS II, 149-161.
2 “Tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus” (cf. 1Cor 3,22- 23).
3 “Tornar-vos-eis como Deus” (cf. Gn 3,5).
4 Cf. Coleta do Missal Romano, “Próprio dos Santos”, 15 de novembro.
5 Santo Alberto Magno (1193-1280), canonizado em 1931; protetor dos estudos das ciências naturais.
6 A “luz da glória” é uma “virtus” sobrenatural que potencia a faculdade cognoscitiva, tornando-a capaz de penetrar a essência de Deus. A necessidade da “luz da glória” foi definida pelo Concílio de Vienne (França), contra os begardos que a negavam: cf. a const. Ad nostrum qui, 6.5.1312 Denz.-Schönm. 891ss.
7 Francisco Chiesa, Lectiones theologiae dogmaticae recentiori mentalitati et necessitati accomodatae. Vol. I: De constitutione theologicae mentalitatis. Vol. II: De Deo Uno - De Deo Trino - De Deo Patre. Vol. III: De Deo Filho - De Deo Spiritu Sancto. Vol. IV: De Sacramentis - De Sacramentalibus - De Oratione.
8 Cf. E. Dubois, De exemplarismo divino seu de trino ordine exemplari et de trino rerum Ordine exemplato, Roma 1897.
9 O sujeito é o Cônego Chiesa.
10 Cf. Jo 14,13.
11 “Por que vieste?” Interrogativo com o qual se costuma exprimir a finalidade da existência ou de empreendimento particular.
12 No seminário de Gênova havia um “Almum et Apostolicum genuensium theologorum S. Thomae Aquinatis Collegium”, no qual se apresentavam sacerdotes de diversas dioceses italianas, para prestar os exames e conseguir os graus acadêmicos em teologia. Pe. T. Alberione obteve aqui o bacharelado, a licença e a láurea em teologia, respectivamente em 18.2 e 17.12.1907 e em 9.4.1908. O documento com o qual ele era declarado Doutor em teologia tem a data de 10.4.1908.
13 “Dará a palavra aos que evangelizam” (Sl 67,12, segundo a Vulgata). O texto original segundo a Bíblia de Jerusalém é: “O Senhor anuncia uma notícia: as mensageiras de vitória são grandes falanges”.
14 Não conhecemos, até hoje, o significado desta “luz”. Lembremos somente que no dia anterior, 29 de junho de 1906, o clérigo Alberione recebera o subdiaconato.
15 “Sou a Mãe da graça divina”.
16 Quão caro fosse para Alberione esse título de Maria, resulta da série de fatos que ligam, como fio de ouro, toda a sua existência. Seu primeiro livro foi dedicado àB. Virgem Maria das graças de Cherasco (1912), a propósito do qual testemunhou: “Para reconhecimento a Maria em 1909 começou o apostola[do-edições com o] pequeno livro: La Madonna delle grazie. Partir com Maria, como o Mestre divino [quando iniciou] a obra da redenção: é garantia de graças especiais; Deus estabeleceu Maria caminho a Jesus e, portanto, estabeleceu Jesus caminho ao Pai” (fragmento ms de 1953). - Um dos seus últimos esforços foi a sustentação do Centro “Mater Divinae Gratiae” de Rosta (Turim) animado pelas doutoras Luigina P. Provera e Lydua Bonico. - Sobretudo notável é a proposta avançada por Pe. Alberione no Concílio Vaticano II para a aprovação do dogma relativo (cf. A. Damino, Don Alberione no Concílio Vaticano II. Ed. Arquivo Histórico Geral da F.P., Roma 1994, pp. 19ss).
17 “Eis um semi-cego…”, escrito a mão, com grafia quase ilegível, que testemunha muito bem sua condição física naquele momento.
18 Com este fragmento manuscrito o A. entendeu concluir com último e motivado “agradecimento” a resenha das “graças abundantes que Deus prodigalizou à Família Paulina”.